há quem diga que a felicidade está na ignorância. e se a gente pegar em ignorância como simplesmente não saber das coisas, de nada, fuca fácil entender como tem gente rindo à toa. o chato é saber que não se é assim. aliás, o chato é ter uma mente que faz com que você procure respostas e soluções para TUDO. O TEMPO TODO.
eu pensava que todo esse saber, esse conhecimento, me traria o retorno desejado: fama, dinheiro e felicidade. sim, porque aqui posso deixar escrito o que eu realmente desejava.
aprendi inglês fluente e fiz curso e faculdade de teatro. nunca consegui ser a atriz famosa internacional.
aprendi crochê, tricô, aquarela, escultura. viraram hobbies meio abandonados. o mesmo com outros tantos conhecimentos: um caminho que deu em lugar nenhum.
tudo sempre com uma grossa camada de diletantismo meio dândi, sem querer-querendo.
só que os anos foram passando e eu fiquei pra trás. abandonei incontáveis versões de mim mesma quer não tiveram êxito algum na vida, procurando uma grama mais verde. sem nunca encontrar, é claro. e, sim, me dou ao luxo de, por aqui, ter bastante pena de mim mesma, do lugar-nenhum onde cheguei, longe de tudo aquilo que já sonhei pra mim.
e aí que estou perdida, desencantada, levando a passagem do tempo como se fosse... nada. absolutamente nada. eu não tenho mais nenhum sonho novo, nenhuma vontade de fazer nada. pagar as dívidas, mesmo sem ter condições de viver bem. fazer uma refeição por dia. comer carne quando dá.
o brilho no olhar se foi. e eu tento, eu juro, arrumar forças para sair dessa, mas a impressão é a de quê quanto mais eu tento, mais eu me atolou nesse lamaçal de vida. nada próspera, nada se concretiza. NADA VAI PARA A FRENTE, a não ser o tempo.
é engraçado como isso acontece e a gente nem se dá conta. um dia sonhei em ganhar prêmios e viajar o mundo, mas hoje, se tiver um bife, eu já me dou por satisfeita.
os conhecimentos só enchem minha cabeça de demandas, perguntas e cobranças: PRECISO fazer isso, terminar aquilo... mas, de verdade, pra quê.
tenho um negócio que não me dá um real, um relacionamento que varia entre uma merda absoluta e uns dias melhores que culminam na minha descoberta de mais uma enganação. e eu sei que deveria ter mais paciência, mas não dá. eu não aguento. só que se eu terminar, eu penso: tá, eu quero recomeçar? não.
eu só quero que isso acabe. isso, esse ranço pegajoso que pesa meu corpo, minha mente, minha alma. cobrança em cima de cobrança. problema em cima de problema, dívida em cima de dívida. momentos raros de felicidade num oceano de bosta. sem um dia de paz .
eu tô cansada, me deixa. até minha terapeuta, que tinha prometido que não ia me abandonar, me abandonou.
hoje foi: reunião bosta sendo criticada por trabalhar demais, cobrar demais prós outros trabalharem. mas ao mesmo tempo meu trabalho rendeu os melhores resultados pro projeto. trabalhe menos, se divirta, ela disse. mas quando é que eu vou entregar o resultado X?, ela perguntou em seguida. corra, Pero no mucho. não fique presa no celular, pero no mucho. pegue leve mas me entregue o resultado hoje. mas sorria. avise, mas não mande mensagem demais. peça reunião para falar mas seja ignorada quando pede reunião.
e eu levo crítica pro coração sim. foda-se. ridículo dizer que a pessoa te critica abertamente por vc simplesmente fazer o seu trabalho, defende outra que não faz, te cobra outro resultado e no fim eu tenho que sorrir e ir praticar yoga e jogging. aproveitar a vida, ser zen.
EU NÃO SEI SER ZEN. só sei cumprir tarefas, resolver questões, elaborar respostas melhores às situações. eu sinto prazer nisso, em me sentir útil. em puder aplicar pelo menos uma pequena parcela do que sei em algo produtivo.
não sei receber elogios tampouco, pessoa estragada que sou. quero sumir se ficam cantando meus loiros à minha volta, mas quero também reconhecimento. eu tenho medo. medo de que, se eu aceitar e celebrar essa vitória, vou criar inimigos, que vão me odiar por eu ser simplesmente eu.
daí perco o interesse, choro, fico deprimida porque é sempre esse ciclo merda. e é foda porque depois, bem depois, as pessoas se arrependem de terem me deixado ir embora. porque eu faço. eu resolvo.
antigamente a reclamação era: você faz e não fala, não divide. e hoje reclamam que eu falo demais, divido demais. antes eu não me expressava, agora me expresso demais. as pessoas não sabem o que querem e muito menos como pedir as coisas que querem. quero resultados rápidos! mas, peraí, você está indo muito rápido... ah, não, agora tá muito devagar...
sei que estou perdendo meu foco, meu sentido. essa é a minha vida. eu queria conseguir sair de casa todos os dias para correr. para me exercitar e tentar gastar um pouco dessa energia. mas a lei de newton prevê uma reação oposta de mesma intensidade no meu cérebro que faz com que meu universo se encolha cada vez mais.
e a pessoa que acha as respostas pra todo mundo não consegue responder as questões dela mesma. não arruma uma solução pra ela. e eu não sei como pedir, porque mesmo quando eu peço, a resposta não vem. por que eu sou assim? nem eu nem ninguém sabe.
aí vem o antigo papo escroto de terapeutas merdas no passado que nunca reconheciam a minha dor de ser assim, dando dicas imbecis para "esvaziar a mente" ou "parar de pensar tanto nisso". se eu soubesse, não precisaria de ajuda de um terapeuta.
eu tive que desembaralhar minha mente sozinha. estou há mais de dois anos me sentindo cansada, esgotada, porque eu resolvi me entender. e mais, resolvi entender o mundo de uma perspectiva diferente: a dos outros.
não pode ser coincidência que meu cansaço, minhas dores e minha desistência de tudo tenham começado no mesmo período.
eu sou quadrada e vivo num mundo feito para redondos. eu nunca me encaixo, minhas bordas em ângulo reto sempre batem nas curvas sem fim. e o pior é que eu não apenas preciso me conformar de que sempre vai ser assim, batendo em tudo, como também que eu vou precisar desenvolver mecanismos ué me permitam viver de forma um pouco menos desconfortável.
porque os redondos não vão fazer nenhuma acomodação para quem, como eu, é quadrado (ou triangular, ou de qualquer outra forma geometrica diferente). e não apenas isso: eles vão te culpar e te amassar o quanto puderem ao invés de abrir uma frestinha da mente para aprender sobre outras formas de ver o mundo.
e eu me sinto sozinha, esgotada, dolorida, fraca, para lidar com esse mundo todo de redondos rolando por cima e esmagando tudo o que foge ao seu mundinho. eu queria poder perguntar como agir, para fazer um masking mais efetivo e que me canse menos, mas nem isso são capazes de me dar: uma direção, uma diretriz clara. aí, quando eu finalmente recebo um fiapo de informação, esperam até que eu tenha me sentido confortável para cortar o fiapo e me largar no chão, estatelada e atropelada.
sim, eu levo pro coração. porque eu fiz também com o meu coração, que é ligado ao meu cérebro.
estou cansada. mas dependo de mais um redondo para pagar minhas contas, então, bora apanhar mais e sorrir. perdida em mais uma situação de: você me deu uma ordem, eu cumpri, mas agora não era para ter cumprido assim. era para ser mais devagar. mesmo com vc exigindo pressa. e a pessoa difícil, diferente, divergente, sou eu.
pra quê? pra poder comer carne. talvez até um bife no fim de semana. fazer mais de uma refeição no dia. dar conforto pros meus bichos. comprar uma calça de 50 reais achando ser cara, mas todas as outras que uso estão rasgadas e essa também vai rasgar pq é barata. e de depender da minha mãe para levar minha cachorra ao Vet. me afogar em leves prestações, subindo por alguns segundos de felicidade antes de voltar a ser sugada pelo mar escuro. até... até morrer né.
com os sonhos todos sem cumprir. nenhum deles. pra comer um bife. pra pagar as contas. pra nada.