mais um adjetivo para volúvel ->
3.27.2004
<Temptress
Os seres humanos, nesse mundo louco, acabam desenvolvendo certas manias, coisinhas, peculiaridades, que só podem ser descobertas quando nos colocamos em contato direto. Uma pessoa que saia por aí espalhando sua vida a estranhos tem algum tipo de problema, provavelmente com sua auto-estima, e precisa afirmar-se em relação ao mundo e junto às pessoas que a cercam.
Dia desses eu estava sentada, lendo Henry Miller na lachonete da faculdade, quando chegga uma amiguinha de turma. Começamos a conversar amenidades, eu procurando ser simpática, mas pensando em como preferia estar lendo o meu livrinhos ao invés de falar sobre o preço da gasolina e do tempo que parece estar sempre mudando... Daí, do nada - porque todas os fatos surreais têm, por força, que vir do nada - ela me diz que adora se fantasiar para o namorado e que tem para mais de 25 fantasias... Eu, logicamente, fiquei quieta e assenti, como se achasse que aquilo fosse normal, ouvindo que os homens preferem as personagens submissas ou que sejam forçadas, por um motivo ou outro, a buscar a relação com o cara. A enfermeira querendo cuidar do paciente, a garçonete que quer servir o cliente, a bombeira que precisa apagar o fogo, a empregada que precisa espanar aquele cantinho do sofá de quatro no chão, a presidiária que precisa de ajuda para escapar... Ela foi relatando, com mais detalhes do que gostaria de ter que ouvir, como as coisas rolavam e como ela fazia, toda a questão da submissão e o quanto ela adorava. Em um determinado momento, cheguei a pensar que ela estava vendendo lingeries sensuais e estava querendo achar uma maneira - não muito sutil - de tocar no assunto.
Mas, não. Ela só queria me contar os detalhes de sua vida íntima.
Depois disso, numa outra tarde, eu peguei de novo o Henry Miller para ler. É engraçado ler um livro forte como Sexus no meio da faculdade, porque enquanto as pessoas falams obre os seus deveres de casa, provas, exames, trabalhos, eu estou lendo sobre vaginas encharcadas de porra, suor, e toda a sorte de descrições dos possíveis atos sexuais - oral, vaginal, masturbação. E não-sei-por-que-cargas-d'água acabei pensando nas lingeries. Esses elementos de fascinação que começam a se tornar parte de um cotidiano, alguns como forma de manter o parceiro, outros para apimentar a relação e outros, ainda, para ter sobre o quê falar com os amigos. Seja qual for o motivo, quem já passou por alguma relação na vida e mesmo que ainda esteja no mundo das idéias, tem aqueles desejozinhos, o que gostaria de fazer, que fosse feito. Vivenciar.
Miller entra em cena nesse contexto quando se pode ler nessa trilogia - sexus, plexus, nexus - essa força de viver do próprio autor, que busca por um lugar no mundo e ainda assim mantem seus desejos, suas vontades e ainda é capaz de escrever sobre eles sem poupar nada, nem seus personagens, nem suas palavras. Aquela força criativa e criadora e agir, que nos impulsiona para a frente, que faz daqueles 'filminhos mentais' sobre os quais falei no último post virarem realidade. Crua. Não que todos tenhamos que gritar por aí: Buceta! Caralho!, mas que os seres humanos possam buscar viver ao invés de 'pensar em', 'cogitar a possiblidade', 'analisar prós e contras' e, a pior de todas, 'ter medo de se machucar'.
Eu falo de carteirinha. Adorei o filme Amor aos Pedaços e uma frase que se tornou razão para discussões: "Love is a mindfield, you take a step and get blown to pieces, put yourself back together again and stupidly take another step. I guess thats human nature, it hurts so much to be alone that we'd all rather blow-up than be single." Por um lado, é verdade que eu me apaixono, vivo aquilo - as sensações, o bom, o ruim - e quando acaba, me debulho em lágrimas, digo que nunca mais irei cometer a estupidez de me deixar levar pelo amor, pela paixão. E um tempo depois, lá estou eu, olhos brilhando e passando o batom, imaginando aquele fim de semana na serra. Se eu me machuco é por procurar, um dia, encontrar aquela pessoa e poder fazer algo, ao invés de dizer que 'agora só quero saber de mim' e bater com a porta na cara de alguém, mesmo gostando dessa pessoa. Nada de 'eterno', porque essas coisinhas me dão arrepios. Eu não penso no final, mas não ignoro que tudo na vida tem seu ciclo. Uns duram meses e outros, anos.
Novamente divaguei, mas acho que consegui algo interessante. Eu falei tudo isso por causa de chances. De ações e coisas que procuramos e achamos na vida que acabam se tornando parte das nossas circunstâncias, de quem nós somos. No campo dos desejos, eu tenho lá as minhas vontades, minhas experiências, minhas pesquisas. Eu me explodo em mil pedaços, eu choro, eu rio, até mesmo tento flertar, mesmo sem saber bater pestanas ou fazer poses lânguidas. Não custa tentar. E Henry Miller tem me ensinado isso, de forma um tanto quanto forte e desbocada, mas num fluxo que é pulsante, vivo, passional, que me faz ver as coisas sob nova perspectiva.
Fica essa dica de sentimento, essa voltagem para quem não quer arriscar. Até dói dar os primeiros saltos e não minto ao dizer que sempre vai doer, mas isso é melhor do que se manter em uma bolha onde a vida não passe de fantasias de coelhinha, trepadas sem sentido, guardando em si mesmo os sentimentos pelo medo de não obter controle, de não se relacionar, mas querer manter o controle sobre uma falsa 'relação', um namorico besta. Dê um passo, mais um, e outro, queime-se, sinta dor, porque vale a pena. Eu vejo isso. Eu sinto isso. Eu passo por isso. Viver não faz mal, assim como chorar ou se foder. Ninguém pode se manter no topo o tempo inteiro. Mas ninguém pode viver sem sair do lugar.
Diga "Não!" ao desperdício.
por acredoce, autora nunca publicada e raramente lida.
preenchimento do cabeçalho obrigatório: 3/27/2004 01:30:00 AM
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