mais um adjetivo para volúvel ->
3.09.2004
Dança dos Mil e um Véus
Passei a madrugada escrevendo mais uma peça de teatro, depois de conversar muito com a minha mãe tomando umas mini garrafas de Chandon como se fosse refrigerante, fazendo com que eu me sentisse chique, elegante e, ao mesmo tempo, um tanto decadente por acreditar nos dois adjetivos anteriores. As novas conversas acabam sendo uma catarse dos nossos problemas sem uma resolução e sem mentira, em que se diz exatamente aquilo que se pensa. Uma coisa ótima.
Hoje eu fiz uma descoberta: eu já não gosto mais de Pierre. Como eu descobri isso? Quando eu me peguei chamando-o de "professor" sem ironia ou sarcasmo, mas, simplesmente porque ele é meu professor. Foi um momento estranho, até ele mesmo parou de falar para me olhar enquanto eu entregava uma cópia de um texto e conseguia manter meu olhar firme, sem ficar com as mãos geladas, nervosa ou qualquer coisa do gênero. Foi um momento libertador.
O problema é que ele não aceita isso. E passou o aquecimento me tocando, falando comigo, pegando na minha mão enquanto eu fiquei sem-graça. Não queria mais aquilo, não tenho mais idade, ou inclinação, ou mesmo a estupidez infantil necessária àquele joguinho. Cansei. Libertador. Cansei. Eu adoro Pierre, adoro suas aulas, eu jeito de ser quando não coloca a máscara de filho-da-puta, as conversas que tivemos, mas eu não quero mais isso para a minha vida. Que pelo menos eu esteja sozinha sem que isso seja um reflexo da vida dele, porque ele está com alguém.
Estava fazendo uma improvisação em que eu era eu mesma. Num dado momento minha parceira de cena me olha e pergunta: "você já foi feita de palhaça?" e eu concordei. Ela perguntou quando e antes que eu pudesse calar a boca, lá estava eu, lágrimas nos olhos, naquele mesmo palco em que já abracei, fui abraçada e o vi tantas vezes com tantas outras. "Já, quando eu amava um cara que fazia questão de me ter do lado enquanto como possibilidade enquanto ficava com outras, mais fáceis, menos complicadas. E eu tinha que ficar vendo, que participar e acho que depois de passar por isso, prefiro não deixar que ninguém passe pela mesma situação." E fiquei lá, parada. A menina começou a chorar enquanto eu mesma lutava para não desabar em lágrimas. Eu não sabia o que tinha feito, ou porquê tinha feito, mas achei necessário, fui verdadeira, me coloquei na situação, no momento e consegui olhá-lo depois, sem me envergonhar. Sem me sentir mal por ter feito e dito aquilo, sem querer me desculpar. Afinal de contas, ele realmente me fez de palhaça, me usou, me sacaneou, me fodeu.
Segundo a avaliação de Pierre a cena foi verdadeira, embora um pouco intimista demais, não levando em conta as pessoas na platéia. Ele me olhou, disse que acreditou em tudo, até o momento em que enrolei para sair (o que foi verdade). Sem mentira ou paranóias, ele me olhou, olhou até que finalmente disse: "Próxima cena."
Aí surgem as pequenas coisas, aquilo que antes significava o mundo. Eu estar sentada ao seu lado, ele esticando as pernas na minha frente, me olhando de canto, fazendo tudo aquilo que resultaria em um estudo detalhado de pois para saber o que ele quer, o que ele pensa, se ele gosta ou não de mim. Só que ao invés de analisar, eu só queria dizer que 'acabou'. O foda é que ele sabe e por isso me tortura, para eu voltar. Porque eu já menti antes, já fingi que não havia mais nada e sei exatamente como funciona, nesse cabo-de-guerra psicológico. Eu não me canso de dizer que acabou, que aconteceu. É libertador.
Sentamos para conversar sobre a aula, no final das contas. Eu não consegui fazer o outro exercício, por medo de me expor, pura e simplesmente. Aquilo sim é conversar com o Pierre, sem me preocupar com o quê ele faz com as mãos, se ele me olha, se está me cantando. Até porque eu já sei que isso significa desencavar alguma merda que ele tenha feito e que, de alguma maneira me afete, só que eu sempre dava um jeito de contornar, de dizer que estava tudo bem. Uma crença infantil de que esta seria a última mentira, o último desapontamento e que um dia ele seria o cara legal maneiro, inteligente, sonhador, que vende o carro para ir atrás de um desejo antigo. Mas esse cara é quase um elemento da minha imaginação, que só existe no horário de aula. O outro é... detestável.
É aí que eu vejo que ele realmente está com outra aluna, uma menina que eu ia convidar para a minha peça mas com quem não consegui falar. Alguém com quem ele nem fala direito. Com quem não quis passar o aniversário. Que criatura triste...
por acredoce, autora nunca publicada e raramente lida.
preenchimento do cabeçalho obrigatório: 3/09/2004 09:25:00 AM
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